segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Fazendo Justiça com Amor

Ruth Caldas - ABU/Salvador
(adaptado)


Segundo Aristóteles, justiça é dar a cada um o que é seu, o que nos traz a princípio uma idéia de retidão, certeza, nos leva à imagem tradicional de Thémis com sua espada e balança. Como fazer justiça com amor, sentimento tão subjetivo, não mensurável, incompreensível para muitos, e de difícil conceituação? Pode parecer difícil ou até mesmo incompatível com a atividade de um jurista, mas um caso concreto de mais de 2.000 anos atrás nos prova o contrário.

O pátio de um templo costumava ser o local ideal para ensinamentos, uma escola melhor dizendo, mas apesar de ser um lugar excêntrico para o ambiente do Judiciário foi lá mesmo que se instalou um tribunal, não com a mesma estrutura arquitetônica dos tribunais do nosso Poder Judiciário, mas, com certeza com os componentes materiais de uma audiência: lide, réu, juiz, promotores, etc. Era manhã, bem cedinho quando Jesus foi ao templo. Como de costume, o povo se reuniu em volta dele para ouvir os seus ensinamentos. Ninguém falava como Jesus! Foi no meio do seu discurso que Jesus foi convidado a por em prática as suas palavras – como todos nós somos chamados. O ambiente da escola transformou-se rapidamente em um cenário de tribunal, com a chegada dos promotores: os fariseus e mestres da lei, da ré: a mulher adúltera e da lide: o adultério. Instalou-se uma atmosfera de tensão, de vergonha e de decisão. Os fariseus e mestres da lei levaram à presença de Jesus aquela mulher que foi flagrada na prática do adultério. Segundo o Código Penal da época - chamado Lei de Moisés - a pena para essa conduta era apedrejamento até a morte, de acordo com o artigo 17:5 de Deuteronômio. Na espera da sentença do juiz, os promotores (todos com pedra nas mãos - os instrumentos para a condenação já prevista), pressionaram a decisão final daquele tão conceituado Mestre.

Nesse momento, o povo que ouvia os ensinamentos de Cristo aguardava ansiosamente a coerência dos discursos de Jesus – estava na hora de ver as práticas e ações daquele que falava de amor, de perdão, de misericórdia. Alguns internamente ponderavam aquela situação: se Jesus decidisse pelo não cumprimento da Lei Mosaica seria o rebelde, o subversivo. Se julgasse pelo cumprimento estrito da Lei, onde estaria a prática do amor tão propalado por Cristo?

Nesse clima de angústia e tensão Jesus foi além das expectativas. Percebeu todo o cenário e não ficou preso à letra fria da lei. Ele viu todos os vícios processuais: falta do contraditório e da ampla defesa (princípios constitucionais que seriam invocados hoje), ausência do advogado, do autor e do homem que também praticou o adultério (este era um requisito processual sem o qual deveria haver a extinção do processo sem análise do mérito), pois, segundo o código vigente da época, ambos - adúltero e adúltera – deveriam ser apedrejados. Mesmo com tantos vícios de validade, o juiz Jesus preferiu outros caminhos para fundamentar sua decisão. Utilizou-se do princípio do livre convencimento motivado, Ele escolheu um método hermenêutico moderno para sua época: não usou a interpretação gramatical, utilizou a interpretação teleológica. Jesus captou que a mulher adúltera não era a preocupação dos fariseus, e sim, o pretexto para condená-Lo. Mateus, discípulo de Jesus, escreveu depois um livro sobre esse Juiz e relatou uma auto-declaração dele: “Eu não vim para acabar com a Lei de Moisés ou com os ensinamentos dos profetas, mas para dar o seu sentido completo”. Muito à frente do entendimento jurídico da época Jesus conseguiu visualizar a função social da pena, e sabia Ele também que o fim da lei é fazer justiça e gerar arrependimento, e foi por esse caminho que Jesus calmamente, em situação tão embaraçosa deu a sua decisão.

Olhos arregalados, ouvidos bem abertos, talvez caneta e papel em punho para publicarem no dia seguinte a decisão de Jesus no jornal mais popular da cidade, deveria ser manchete da capa principal: “De Mestre a subversivo” ou “O Filho de Deus apedreja mulher”. Jesus serenamente rompeu o silêncio instaurado: “Aquele que dentre vós que está sem pecado seja o primeiro que atire a pedra contra ela.” Que decisão! Quanta sabedoria! Que maneira de fazer justiça que inova, quebra os paradigmas arcaicos e hipócritas da época! Jesus levou cada um que estava ali a questionar-se: “Será que sou tão justo assim?”. Ele fez com que aqueles promotores concluíssem por si só que eles também falhavam, que também tinham pecados (e, como sabemos, a mentira, a religiosidade, a vida incoerente palavras versus ações são pecados para Deus da mesma forma que o adultério, que o homicídio). Um a um do mais velho ao mais jovem promotor foi-se retirando daquele recinto. Se a história terminasse assim, para cada erro humano haveria essa decisão de Jesus para encobrir nossas falhas. Pensando nisso, Jesus vai além, ele deveria ser o primeiro e único a atirar a pedra – afinal, era o único sem pecado – mas, fez diferente: olhou para aquela mulher, conversou com ela (até então não tinha sido nem ouvida) e depois deu a sentença final: “Eu também não te condeno, vai-te, e não peques mais”.

Percebe-se que este Juiz não deixou que os muitos processos que tinha para decidir, que a vida agitada de professor, médico, psicólogo dentre outras que ele desempenhava, tirasse a sua sensibilidade para com o outro. Jesus preocupou-se não apenas com a lide em si, mas com o corpo físico daquela mulher (pois a livrou do apedrejamento), com a esfera psicológica (porque restaurou a esperança e sua auto-estima) e também se preocupou com sua vida espiritual (pois a convidou para a salvação quando disse “não peques mais” – não sendo condizente com seu erro).

Jesus como juiz fez Missão Integral, foi movido por amor ao fazer justiça, trouxe esperança a quem estava perdido, mostrou que para desfrutarmos desse perdão devemos procurar acertar o alvo, e nos convidou com suas ações a termos uma vida coerente, afinal, também seremos confrontados com desafios que exigirão mais do que teorias, exigirão práticas de Amor e de Justiça.



Texto publicado no 1° informativo da ABU-Direito (setembro/2009)

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